Um novo exame de sangue recém-chegado ao Brasil pode auxiliar no diagnóstico do Alzheimer. Por utilizar uma tecnologia que identifica pequenas moléculas em amostras de sangue, o procedimento possibilita observar a presença de um importante marcador da doença.
O Alzheimer tem sintomas como perda de memória e dificuldade de fazer atividades cotidianas por estar associado a uma degeneração do sistema nervoso central.
A doença é o tipo de demência com maior prevalência no mundo. No Brasil, ela atinge aproximadamente 1,2 milhão de pessoas e acomete cerca de 11% da população idosa, que é a mais atingida pela condição.
Em relação à mortalidade, o Global Burden of Disease (GBD) de 2019 aponta que o Alzheimer junto com outras demências representam uma taxa de 25 mortes a cada 100 mil habitantes no país.
O diagnóstico é feito principalmente por meio da prática clínica. Desse modo, o médico investiga, diante de sintomas e exames, se uma pessoa realmente está com Alzheimer. Algumas pesquisas, por exemplo, já avançaram para entender as causas da condição de modo a aumentar a precisão do diagnóstico.
Uma das correntes mais consolidadas sobre a origem da condição observa duas proteínas que são consideradas marcadores do Alzheimer —ou seja, substâncias associadas à enfermidade.
Uma dessas proteínas é a beta-amiloide, que normalmente é encontrada nas paredes dos neurônios, importantes células para o funcionamento cerebral.
Rodrigo Carvalho, neurologista do centro de neurocirurgia DFVNeuro e do Hospital Sírio-Libanês, explica que, em excesso, a beta-amiloide passa a ser depositada nos tecidos do cérebro.
“Uma das hipóteses é que esse depósito da proteína começa muitos anos antes do início dos sintomas do Alzheimer. Isso já coloca essa proteína como um marcador patológico da doença”, afirma.
Esse acúmulo das beta-amiloides desencadeia a retenção de outra proteína, chamada TAU. É esta segunda que ocasiona mortes de neurônios e, consequentemente, causa um processo degenerativo da atividade cerebral.
Dessa forma, ambas as proteínas estão associadas ao Alzheimer. Essa descoberta faz com que “a tendência seja cada vez mais classificar a doença com base nessas substâncias que ficam alteradas”, continua o neurologista.
Já existem algumas ferramentas que buscam observar esses dois marcadores. Um deles é a coleta do líquor, um líquido que permeia a região do cérebro e da coluna lombar. Por estar em constante contato com a região do sistema nervoso central, é possível observar a concentração da beta amiloide pelo líquor.
Esse procedimento é feito por um médico que insere uma agulha entre as vértebras da coluna. Então, é possível retirar o líquor para realizar um exame de modo a averiguar a presença da beta amiloide. Quanto mais baixa for a concentração da proteína, maior o indicativo para Alzheimer, já que isso é um indicativo de que a substância deve estar retida nas paredes do cérebro.
Mesmo que seja um procedimento útil para complementar as suspeitas clínicas do Alzheimer, a coleta do líquor tem alguns problemas. Um deles é o preço —ao ser feito por um médico, o exame é mais caro que outros mais comuns. Outro ponto são algumas contraindicações, como no caso de pacientes que têm processo infeccioso na pele ou tenham problemas de colunas que dificultam a aplicação da injeção.
O novo exame, lançado nos Estados Unidos há pouco mais de um mês e que no Brasil é disponibilizado pela rede de hospitais e laboratórios Dasa, tenta superar esses impasses.
Ele funciona de forma semelhante à coleta de líquor ao mensurar a beta-amiloide para averiguar se o paciente está em um quadro de Alzheimer. Por ser um exame de sangue, no entanto, ele precisou de algumas alterações que se valem principalmente de um avanço tecnológico chamado espectrometria em massa.
Gustavo Campana, diretor médico da Dasa, explica que observar a quantidade da proteína no líquor é mais simples pelo fato de o líquido estar em constante contato com o cérebro, região que tem maior concentração da beta-amiloide.
No entanto, pesquisas já observaram que algumas proteínas conseguem passar do líquor para o sangue, mas em uma quantidade menor —fenômeno conhecido como barreira hematoencefálica.
Por essa razão, um exame de sangue comum não teria a mesma precisão de indicar a concentração da beta-amiloide como ocorre no procedimento de retirada do líquor. A espectrometria, neste caso, é utilizada justamente porque consegue observar proteínas, mesmo que em pequenas quantidades, em uma amostra de sangue.
“É uma tecnologia que permite que eu separe diferentes moléculas para observar a concentração delas”, explica Campana.
O exame não é para todos
Embora seja uma forma importante para aumentar a precisão do diagnóstico de Alzheimer, o novo exame de sangue não é para qualquer pessoa.
A restrição do procedimento acontece principalmente porque o Alzheimer é uma doença de diagnóstico clínico. Ou seja, ela se vale de outros mecanismos e também da própria avaliação do especialista sobre o quadro do paciente.
Carvalho diz que a ressonância magnética pode ser utilizada para observar se os sintomas não foram causados por outras doenças que mimetizam o Alzheimer, como é o caso do AVC (acidente vascular cerebral).
“Não é que todo mundo precisa fazer, mas para alguns casos específicos a complementação diagnóstica é fundamental”, afirma Campana.
Um desses casos em que poderia ser útil observar a presença de beta-amiloide é quando o médico desconfia que o paciente possa estar com Alzheimer ou com a demência do frontotemporal, uma outra doença também causada por neurodegeneração.
Neste impasse, explica Carvalho, é importante ter um diagnóstico mais preciso porque o tratamento para o Alzheimer pode piorar a demência frontotemporal.