A polícia investiga se a delegada Ana Lúcia da Costa Barros, mulher de um dos sete presos da Operação Heron — contra agentes públicos aliados da maior milícia em atividade no estado —, acessou o próprio banco de dados para ajudar a quadrilha.
A força-tarefa afirma que a senha dela foi usada para acessar detalhes de uma placa de um veículo a mando do miliciano Francisco Anderson da Silva Costa, o Garça.
A Operação Heron é uma parceria da Polícia Civil do RJ, da Corregedoria da PM e do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). Os mandados foram expedidos pela 1ª Vara Criminal Especializada.
Delegada Ana Lúcia da Costa Barros, investigada na Operação Heron — Foto: Reprodução
Em uma operação para tentar prendê-lo, em abril do ano passado, a polícia apreendeu um celular de Garça e conseguiu detalhes da quadrilha.
Em uma das conversas, segundo a polícia, Garça pede ao agente penitenciário André Guedes Benício Batalha., marido de Ana Lúcia, para “levantar uma placa”.
Segundo o MPRJ, Garça estava desconfiando dos ocupantes de um carro e mandou Guedes descobrir se era um veículo descaracterizados da Polícia Civil em campana.
Conversa, segundo a polícia, do miliciano Garça para o agente penitenciário Guedes, pedindo dados sobre uma placa — Foto: Reprodução
Imediatamente, Guedes responde ser um Toyota Etios preto. Para tal, o agente penitenciário usou a senha de delegada da mulher, Ana Lúcia, segundo a denúncia do MPRJ. Não está claro se esse automóvel de fato era da polícia.
“Se realmente fosse uma viatura oficial, provavelmente os agentes que ali estivessem teriam o risco aumentado de sofrer algum tipo de retaliação”, diz a denúncia.
“Até o presente momento, não houve constatação do envolvimento da delegada com a milícia”, explicou o delegado Thiago Neves, titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco).
“Estamos analisando para saber se houve a participação dela, se vai ser oferecida denúncia ou se vão ser aprofundadas as investigações contra ela“, pontuou André Cardoso, promotor do Ministério Público do Gaeco.
Thaianne Morais, delegada assistente da Draco, afirmou que essas consultas eram rotineiras.
“Alguns dos agentes eram encarregados de colocar as lideranças dentro de grupos de WhatsApp onde eram orquestradas ações para frustrar diligências”, disse.
Até a última atualização desta reportagem, sete pessoas haviam sido presas. Na casa de um dos policiais penais, a força-tarefa apreendeu dinheiro e armas.
Dinheiro e armas apreendidas na casa de um agente penitenciário — Foto: Reprodução/TV Globo
Investigadores afirmam que os procurados forneciam informações sigilosas sobre operações específicas contra grupos rivais, facilitavam a movimentação dos “bondes” — comboios para atividades criminosas — e até escoltavam, com viaturas oficiais, foragidos da Justiça.
Policiais da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco) e agentes do MPRJ saíram para cumprir, no total, 10 mandados de prisão e 11 de busca e apreensão.
- Alcimar Badaró Jacques, o Badá, agente penitenciário, preso;
- André Guedes Benício Batalha, o Gue, agente penitenciário, preso;
- Carlos Eduardo Feitosa de Souza, o Feitosa ou Feio, agente penitenciário, preso;
- Edson da Silva Souza, o Amigo S, agente penitenciário;
- Ismael de Farias Santos, agente penitenciário, preso;
- Leonardo Corrêa de Oliveira, o Sargento Oliveira, PM;
- Luiz Bastos de Olive Ira Junior, o Pqdzinho;
- Matheus Henrique Dias de França, o Franc, PM, preso;
- Pedro Augusto Nunes Barbosa, o Nun, PM, preso;
- Wesley José dos Santos, o Seap, agente penitenciário, preso.
A Corregedoria da Polícia Civil vai pedir o compartilhamento das investigações sobre a delegada com o Ministério Público. Já a Corregedoria da Polícia Militar vai levar os PMs presos a conselho disciplinar.
Um dos presos na Operação Heron chega à Cidade da Polícia — Foto: Lívia Torres/TV Globo
De acordo com a especializada, os servidores tinham contato direto com homens de Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, irmão e um dos sucessores de Wellington da Silva Braga, o Ecko, morto pela polícia em junho do ano passado.
Zinho é foragido da Justiça e hoje explora toda a Zona Oeste do Rio.
Luiz Antônio da Silva Braga, o Zinho, é empresário e irmão de Ecko, líder da milícia — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
A investigação começou com apreensão de um telefone celular, realizada durante uma ação em 27 de abril de 2021, na casa de Francisco Anderson da Silva Costa, o Garça.
Garça era um dos principais homens de confiança de Ecko e, segundo a polícia, era responsável pela gestão dos valores da quadrilha — tanto os provenientes das extorsões e taxas, quanto o pagamento de propina a agentes de segurança.
Na ação de um ano atrás, o miliciano conseguiu fugir, mas deixou o aparelho — com o qual a polícia obteve detalhes do grupo paramilitar.
“Após uma tentativa de prisão do miliciano Garça, foram apreendidos cinco telefones. Nessa investigação, foi apontada a participação de agentes públicos”, explicou o delegado Thiago Neves.
“Participação essa que mudou com o tempo. Antigamente a gente via egressos da polícia como lideranças. E hoje já não se observa mais esse fenômeno. A participação se restringe mais a passar informações sigilosas”, detalhou.
Setores de inteligência acreditam que Garça tenha sido morto a mando de Ecko, em virtude de uma divergência na quadrilha. Ele tinha um mandado de prisão nesta sexta.
Thaianne explicou ainda que eram trocados agrados e presentes, “configurando uma relação promíscua”.
“Entre os presentes que eram dados a policiais penais, estão roupas, peças táticas, armamentos e quantia em dinheiro”, enumerou.
A ação contou com o apoio do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco/MPRJ), da Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados, da Corregedoria Interna da Polícia Militar e da Contrainteligência da polícia.
Morte de Ecko agravou disputa entre milicianos; polícia investiga mortes — Foto: Reprodução/TV Globo